Capítulo 06
“A História Natural das Novas Ilhas do
Japão” escreve que ao longo dos anos, um número de historiadores, biólogos, e
linguistas se intrigaram com a etimologia do nome “Minoshiro”, e surgiram com
algumas teorias interessantes.
Uma explicação antiga aceita era de que
o nome veio do fato de que ele parecia que vestia uma capa de chuva. Mas o
livro não dizia que tipo de capa de chuva, e eu nunca vi uma antes, então não
faço ideia se a explicação era correta ou não.
Outro motivo vinha em partes por
parecer vestir uma capa, e parcialmente por sua cor branca, combinada com a
crença de que as almas dos mortos viviam dentro dele. Além disso, o fato de que
o Minoshiro é normalmente terrestre, mas retorna para o mar para botar ovos era
uma origem plausível de seu nome. Uma explicação mais recente era de que os
ovos vermelhos e amarelos que ele colocava em moitas de algas ou corais
lembravam ornamentos no palácio do Rei Dragão.
Outro motivo não-oficial vinha do fato
de que quando se encontrava com o inimigo, o rabo do Minoshiro se eriça e
levanta, como um shachihoko encontrado nos tetos de castelos no passado ancião.
Eles o nomearam pelo castelo em Mino, mas uma pesquisa posterior mostrou que
era o castelo de Nagoya que tinha um shachihoko, que ficava na província
vizinha de Owari. Depois dessa descoberta, a explicação perdeu seu encanto.
Há também inúmeras histórias que dizem
que o “shiro” é o nome Shirou encurtado. Como Shirou era apenas pouco maior que
um metro de altura, ele foi chamado de Minoshiro (“mino” é três vezes o
comprimento de um pano de largura padrão, cerca de 108 centímetros). Uma
história diferente disse que uma vez ele encontrou uma criatura do tipo cobra
com vários tentáculos, que também deu a ele o nome de Minoshirou. As histórias
são variadas e difíceis de compreender.
Ainda no tópico de Shirou, um folclore
antigo dizia que ele era amaldiçoado por uma cobra branca e transformado em um
Minoshiro. Como outros detalhes da história se perderam, não tem como provar
sua autenticidade.
Pessoalmente, eu acho que todas as
histórias são possíveis. Ao menos é muito mais fácil de entender se comparado a
etimologia do nome dos sapos que ficam no Monte Tsukuba. No livro diz que “eles
usam seu poder para atrair e devorar insetos”. Quem acreditaria na ideia de que
sapos possuem canti?
Outro mistério sobre o Minoshiro é que
ele não era mencionado nos textos mais anciãos. Mesmo que vários dos textos de
mais de mil anos atrás sejam proibidos, a palavra “Minoshiro” não é encontrada
nos textos disponíveis. Isso significa que o Minoshiro foi descoberto dentro
dos últimos duzentos anos, mas uma criatura inteiramente nova sendo evoluída em
tão pouco tempo é impensável.
Na verdade, não é apenas o Minoshiro.
Nos anos entre a civilização de mil anos atrás e hoje, houve uma extinção em
massa da fauna. As espécies antigas serem extintas é incomum, mas não
inesperado, o que era surpreendente era a aparição súbita do Minoshiro e de
outras espécies, como se tivessem surgido do nada.
Uma
hipótese que procura explicar esse fenômeno tem ganho atenção ultimamente. Ela
diz que sua evolução foi impulsionada pelo inconsciente coletivo humano.
Mas isso parece um pouco extremo.
Apenas recentemente, foi determinado que o Minoshiro descendia diretamente de
uma espécie de lesma marinha chamada de Anteaeolidiella Indica que vivia na
região de Boso. Apesar de ser difícil de imaginar uma lesma marinha de trinta
centímetros evoluindo par alto grande como um Minoshiro, quando você olha para
as guelras salientes que parecem capa de chuva, você deve admitir que tem uma
semelhança. Se a lesma marinha realmente é ancestral do Minoshiro, e eles dividem
o mesmo nome[1],
então essa é uma evidência que ajuda as duas primeiras teorias que foram
mencionadas anteriormente. Mas eu acho que mais pesquisa é necessária.
O motivo de eu estar mencionando tudo
isso nessa ordem é que para entenderem o que estarei falando quando chegar a
parte que conhecermos o falso Minoshiro durante nosso acampamento de verão,
você precisa saber o que é um Minoshiro de verdade.
Como o Minoshiro não existia mil anos
atrás, é possível que não existam daqui a mil anos também. Então apesar de já
ter literatura sobre o Minoshiro, eu ainda quero explicar novamente aqui.
Seu comprimento varia
de dez centímetros a um metro, os menores são do tamanho de uma
mandarová-do-fumo, enquanto os maiores são tão longos como uma centopeia. Eles
têm uma grande antena em formato de Y em suas cabeças, e duas antenas menores
no final dela. Seus olhos são pequenos e cobertos de pele, então é presumido
que eles apenas detectam luz e escuridão. Os Minoshiro têm pernas curtas como
as de um mandarová-do-fumo ou de uma centopeia (essa característica os faz
parecer diferentes de gastrópodes como a lesma marinha), e podem andar a uma
boa velocidade. O movimento de suas inúmeras pernas é reminiscente a uma marcha
militar. Há penas coloridas e meio transparentes em suas costas que brilham nas
pontas.
Minoshiro são onívoros
e comem principalmente musgo, líquen, fungos, vários insetos, e sementes. Eles
não são afetados por venenos, separando-o da comida e armazenando em seus
corpos. Por causa disso, os Minoshiro indiretamente limpam o solo. Seus corpos
também mudam de cor dependendo do que eles tenham comido. Isso pode ser visto
mais obviamente depois de uma refeição de musgos, quando se tornam verde claro.
Essa característica também é vista nas lesmas marinhas após comer anêmonas do
mar.
Quando um Minoshiro é
ameaçado, ele levanta e chacoalha as penas em suas costas para intimidar os
predadores. Se o predador continuar a avançar, ele será atingido com as penas,
que são cheias de um veneno mortal. Algo importante de se mencionar é que eles
nunca ameaçaram humanos dessa forma.
As espécies de
Minoshiro incluem o Minoshiro gigante (um tipo raro com o comprimento de seu
corpo sendo maior de dois metros e coberto com pelos cinza), o Minoshiro
vermelho (com corpos vermelhos meio transparentes), o Minoshiro azul (com
antenas azuladas nas pontas), Minoshiro arco-íris (coberto com pelos finos
similares às escamas pulverulentas das borboletas, e refletem a luz como
besouros de joias), e várias subespécies.
Seu tamanho e gosto
extremamente desagradável devido ao veneno em seus corpos significam que o
Minoshiro não tem quase nenhum inimigo natural. Seu único predador é o
caranguejo-tigre, que espreita embaixo das praias arenosas. A maioria dos casos
de um Minoshiro ser caçado por caranguejos-tigre parecem ocorrer na época que
eles fazem sua migração para a praia para botar ovos.
Para ser completamente
clara, deixe-me fazer uma breve introdução sobre os caranguejo-tigre. Eles são
carnívoros ferozes descendentes do caranguejo-nadador, com cascos afiados e em
forma de diamante, de quarenta e cinco a cento e vinte centímetros de largura,
coloridos para se misturar na areia, pinças grandes, três espinhos em suas
cabeças, e arestas serradas na frente de seus cascos. Suas pernas traseiras são
úteis para nadar e para escavar na areia. Os caranguejo-tigre são capazes de
pular até dois metros para fora da areia para capturar sua presa. Estão
comumente na praia de Hasaki, mas também podem ser encontrados em prados,
florestas e montanhas. Eles comem de tudo, desde sapos, lagartos, cobras e
pequenos mamíferos até aves marinhas, golfinhos encalhados, baleias e outras
criaturas marinhas. Seus cascos pesados são quase impenetráveis, apesar de que
quando os caranguejo-tigre se encontram, eles lutam até a morte, e canibalismo
é comum. Apesar de sua natureza viciosa, não são considerados uma ameaça para
humanos.
É dito que o Minoshiro
pode atomizar partes de seus corpos para escapar dos caranguejo-tigre, além de
fazer outras coisas interessantes que ainda não vi.
Quanto a primeira
parte, eu já a vi antes, bem inesperadamente. Foi durante o início do verão no
ano que nos graduamos da Escola da Harmonia.
— Saki, olhe lá! —
Maria chamou silenciosamente.
— O que foi?
Estávamos em uma
pequena clareira escondida por matagais sobre a praia. Nós duas frequentemente
íamos para lá depois da aula se o tempo estivesse bom.
— Um Minoshiro foi pego
por um caranguejo-tigre...
Eu tirei levantei minha
cabeça por cima dos arbustos e respirei o ar salgado. A praia estava deserta.
Olhando para onde Maria estava apontando, eu vi um único Minoshiro na areia a
cerca de vinte ou trinta metros de distância do oceano. Estava se debatendo
como se quisesse ir para a água, mas havia sido preso no lugar.
Olhando cuidadosamente,
vimos que suas pernas haviam sido presas entre pinças verde escuras.
— Temos que ajudá-lo. —
Eu pulei, mas Maria me puxou para baixo.
— O que está fazendo,
idiota? E se alguém te ver?
— Não tem ninguém aqui.
— Você não sabe quando
vai ter, certo? Aquele é o lugar que os garotos vão pescar.
Realmente, correr
pelada pela praia não era algo que se fizesse normalmente, então colocamos
nossas roupas e corremos para lá. Ao nos aproximarmos, o corpo camuflado do
caranguejo-tigre se revelou. Tinha as pernas do Minoshiro em uma pinça, penas
na outra, e estava olhando para ele como se contemplasse como deveria comê-lo.
Eu hesitei. Mesmo que
fosse só um caranguejo, caranguejos-tigre eram conhecidos por enfrentar ursos
adultos e matá-los. Era dito que não atacavam humanos, mas para duas crianças
que ainda não tinham seus canti, era impossível fazer qualquer coisa.
Até então, eu não havia
rezado para alguém aparecer e nos ajudar. Querido deus, se não for o Shun, pelo
menos o Satoru...
— E agora? Podemos
tentar jogar areia nele?
Eu estava prestes a ter
um ataque de nervos, mas Maria estava lidando com a situação calmamente.
— Espere. Está tudo
bem, ele está lutando de volta agora.
O Minoshiro começou a
acariciar as pinças do caranguejo-tigre com suas penas, como se tentasse
acalmá-lo. O caranguejo-tigre lentamente parou de se mover, com bolhas saindo
de sua boca.
Do nada três penas
brotaram das costas do Minoshiro, e começaram a balançar como se gesticulassem
para o caranguejo-tigre. As penas atomizaram e caíram na areia, ainda se
contorcendo.
O caranguejo-tigre
continuou sem se mover, ainda segurando no Minoshiro e espumando pela boca.
Ainda se contorcendo de
dor, o Minoshiro levantou mais duas penas, as balançou na frente do
caranguejo-tigre, e deixou-as cair no chão.
Agora havia cinco penas
se contorcendo na areia. O caranguejo-tigre não respondeu, e o Minoshiro ficou
parado.
Meio minuto depois, o
Minoshiro voltou a se mover, mas agora com hostilidade.
Com suas penas soltas
começou a bater no casco do caranguejo-tigre. Uma vez, duas vezes, três vezes.
Na quarta vez, ele levantou uma única pena venenosa, enrijecendo-a com toda a
sua força, e a atomizou. Ela atingiu as pinças do caranguejo-tigre ao cair.
O caranguejo-tigre
perdeu o controle. O Minoshiro se soltou e foi para o mar aberto.
Ignorando o Minoshiro,
o caranguejo-tigre pegou duas das penas na área e começou a comê-las.
— Bem, parece que ele
conseguiu. — Maria disse.
Ela estava sorrindo,
mas parecia mais uma careta. Maria não gostava muito de animais, e na realidade
provavelmente não se importava com o Minoshiro, mas fingiu que sim, por mim.
— Mas ele perdeu seis
penas, tadinho.
— É um preço pequeno
por sua vida, não é? Caso contrário, teria sido comigo.
Quando um Minoshiro não
consegue escapar de um caranguejo-tigre, ele solta penas como iscas, torcendo
que o caranguejo-tigre deixe-o ir para comer as penas. Há um fenômeno
interessante que ocorre aqui que não é visto em outros animais: barganhar.
Quantas penas o Minoshiro está disposto a soltar é uma função entre sua
capacidade física e o quão faminto o caranguejo-tigre está.
No caso da negociação
não funcionar, o Minoshiro começa a atacar com suas penas. O caranguejo-tigre
provavelmente pode ganhar do Minoshiro, mas se uma pena escorregar nos vãos
entre o casco no processo, há uma boa chance de que ele morra.
Este comportamento
racional é surpreendente para as duas espécies que não são particularmente
inteligentes. Mas para o caranguejo-tigre, soltar o Minoshiro após ele soltar
suas penas é provavelmente apenas senso comum.
Vamos voltar para o
acampamento de verão.
Na manhã seguinte, nós
decidimos fazer Oniguiris para o almoço com nossos equipamentos bagunçados.
Então desfizemos as barracas, preenchemos os buracos dos bastões, cobrimos os
traços de nossa fogueira, juntamos tudo novamente em nossas canoas e saímos.
Viajamos pelo rio entre
a névoa da manhã, usando nossos remos e nossos canti. Na esquerda podíamos
ouvir os chamados frequentes dos pássaros, o choro alto e esticado da campainha
do prado.
O céu estava nublado
desde que acordamos, o que era uma pena, mas respirar o ar fresco da manhã
tirou todo sono que eu tinha.
Esta parte do rio era
bem mais larga do que a que estávamos ontem. A margem direita era um mormaço
distante e completamente escondida pela névoa.
Eu lembrei das aulas de
geografia na Escola da Harmonia, onde aprendíamos sobre a transição entre a
entrada de Kasumiga e o Rio Tone.
Dois mil anos atrás, a
Entrada de Kasumiga era um gigante mar do interior chamado Oceano Katori que
conectava o Rio Tone de hoje ao oceano. Naquela época, o Rio Tone fluía bem
mais ao oeste, até a baía de Tóquio.
Para evitar enchentes
frequentes do Rio Tone e aumentar a terra disponível para agricultura, Tokugawa
Ieyasu decidiu divergir o rio. Após centenas de anos, o estuário foi
redirecionado até Inubousaki. Areia foi usada para preencher parcialmente o
oceano Katori para reduzir seu tamanho e ele se tornou a entrada de Kasumiga.
(Eu fiquei interessada em Tokugawa Ieyasu após descobrir que ele foi capaz de
fazer um projeto tão grande, mas infelizmente, está história é a única menção a
ele nos textos de história e geografia.)
Nos mil anos que se
seguiram, o Rio Tone e a entrada de Kasumiga se tornaram o que são hoje.
Primeiro, a maioria das partes que corriam para a baía de Toquio se juntavam ao
Rio Tone. É óbvio que uma área estérea como Tóquio não precisa de água. Então,
a água alavanca na rosa de Tone, e para prevenir enchentes, um canal foi
construído para o conectar com entrada de Kasumiga. Por isso, a entrada se
expandiu para quase seu tamanho original. Ela ultrapassa o Lago Biwa em termos
de área da superfície e é agora o maior lago do Japão.
E agora, já que as
margens finais do rio correm por Kamisu 66, nós construímos múltiplos canais
para usar a água como transporte. É por isso que estarmos indo rio acima,
emergindo no rio propriamente dito pela primeira vez era bem excitante.
— Ei, vamos mais
rápido. — Satoru disse.
— Por quê? Você não
quer olhar as coisas aqui? — Eu perguntei.
— Eu passo. Não tem
muitos animais por aqui, de qualquer forma.
— Mas estamos quase no
lugar que devemos acampar hoje, certo? — Mamoru disse incerto.
— Do que está falando?
Esqueceu do verdadeiro propósito dessa viagem? É para procurar o Minoshiro do
mal e cães-balão, né? Vamos lá, vamos nos apressar para atravessar a entrada e
desembarcar.
— Umm, o Príncipe do
Sol disse que não é permitido ir tão longe da entrada. Descer aqui...
Dessa vez, até Maria
parecia hesitante.
— Vai ficar tudo bem.
Só vamos dar uma olhada por aí e voltar. — Satoru disse despreocupadamente,
remando para frente.
— O que devemos fazer? —
Eu perguntei para Shun, que parecia perdido em seus pensamentos.
Sua resposta não foi o
que eu esperava.
— Seria ruim se nos
descobríssemos. Mas eu meio que quero ir ver, já que não acho que teremos outra
chance como essa no futuro.
Com essas palavras,
estava decidido. Satoru apareceu com uma ideia furtiva de ir para o lugar que
iríamos acampar e deixar marcas para fazer parecer que havíamos passado a noite
lá.
— Assim, quando o
próximo grupo vier, vão pensar que estivemos aqui, certo? — Ele disse, soando
orgulhoso de si mesmo.
Eu nunca o vi tão feliz
depois de fazer algo que realmente valesse a pena elogiá-lo.
Nós fomos para o lago
novamente, indo mais rápido do que deveríamos. Uma pequena andorinha voou sobre
nós, nos desafiando para uma corrida, mas Sakuramasu 2 a alcançou em poucos
segundos. A ave rodou um pouco e voou para fora de nossa vista.
Eu me espreguicei e
deixei a brisa fluir por mim. Eu tirei meu chapéu antes que o vendo o soprasse
para longe e soltei meu leque de cabelo. Meu poncho se debateu e tremulou.
Mesmo que não pudesse
ver nada além de água ao meu redor, eu não fiquei cansada da vista. O sol espiando
por entre as nuvens fazia uma exibição brilhante na água limpa do lago, e a
espuma de nosso barco fazia arco-íris em miniatura no ar.
Eu estava tão
concentrada no cenário que levou algum tempo para perceber que minha visão
estava ficando estranha. Cores começaram a oscilar na frente de meus olhos e eu
vi pós-imagens nos cantos deles.
Me virando, eu vi
Satoru encarando atentamente a superfície do lago. Quando tentava mover algo,
como um barco, na água, você primeiro se concentrava na área na frente do
barco, e tentava reduzir a distância. (Mas depois de ganhar velocidade, você
precisa imaginar que está empurrando a água e deslizar sobre ela para se
mover.)
As duas formas
envolviam muita concentração e é cansativo fazer isso por um longo tempo. Além
do fato de que o barco está constantemente se movendo e como você está
encarando pontos fixos, fica fácil de se sentir enjoado.
Satoru percebeu meu
olhar e pareceu aliviado. “Viemos bem longe, você quer trocar comigo?”
Eu balancei minha
cabeça lentamente. “Eu não sei se consigo.”
— O que você quer dizer
com não consegue? — Satoru disse, soando um pouco irritado.
— Meus olhos estão estranhos,
eu acho que encarei os reflexos por muito tempo. — Expliquei.
Satoru me encarou
desacreditado, e então disse relutantemente: “Não dá para evitar, então. Vou
ter que impulsionar a canoa o caminho todo.”
Eu me desculpei, e
então lembrei que tinha um par de óculos de sol em minha mochila e os coloquei.
Eram de meu pai, que encomendou especialmente de um artesão. Foi feito com
vidro de alta qualidade com uma mistura especial de tinta de garança e corante
de caqui que bloqueava os raios do sol. Eu deveria ter os usado desde o início.
Tudo ficou um pouco
mais escuro quando os coloquei, mas pelo menos meus olhos pararam de doer.
Éramos proibidos de
usar nosso cantus se tivesse qualquer problema com nossos olhos. Alguém
habilidoso como Shisei Kaburagi poderia usar o cantus na completa escuridão,
mas iniciantes como nós precisávamos ver o que estávamos fazendo para poder
criar imagens em nossas mentes.
Atravessamos a entrada
de Kasumiga dentro de uma hora. Enquanto estávamos viajando pela parte mais
funda do lago, houve um grande barulho dos matagais de junco e uma sombra
enorme apareceu na água, sumindo no instante seguinte. Tinha um formato de diamante, então era
provavelmente um caranguejo-tigre. Como não estávamos perto da costa naquele
momento, eu percebi que caranguejos-tigre deviam ser nadadores melhores do que
eu achava.
Atrás dos juncos,
podíamos ver a floresta profunda e o rio verde correndo dela. Nós pesquisamos
antes de ir, e aprendemos que o rio era chamado de rio Sakura. O Monte Tsukuba
deveria estar bem na nossa frente, mas estava escondido pelas árvores altas.
Mais acima, o rio se
dividia em dois. Não tínhamos certeza para qual lado ir, então escolhemos ir
para a esquerda porque o ramo estava fluindo mais rápido. Cerca de um
quilômetro depois, as árvores densas se abriram e vimos o Monte Tsukuba na
nossa frente. O Rio Sakura dirigia-se para o norte do lado oeste da montanha.
Se continuássemos
seguindo o rio, acabaríamos muito longe do Monte Tsukuba, então desembarcamos
aqui.
— Isso! Conseguimos. —
Shun disse, saindo primeiro.
Eu fui a próxima,
seguida por Maria, Mamoru e por último, Satoru, parecendo exausto de
impulsionar a canoa o tempo inteiro sozinho. Ele foi para os arbustos e o
escutamos vomitar. Eu senti uma pancada de culpa no meu peito.
Nós escondemos as
canoas entre os juncos. Tendo vindo tão longe, era improvável que alguém iria
nos pegar, mas escondemos por prevenção. E para preveni-las de flutuar para
longe, as ancoramos fundo na lama.
— E agora? Vai ser a
hora do almoço logo. — Mamoru disse, olhando para nós esperançoso.
— Vamos subir a
montanha primeiro e dar uma olhada. Levem só coisas leves que vão precisar, e
podemos almoçar quando chegarmos lá.
Como Satoru ainda
estava grogue, Shun se voluntariou para ser o líder. Nós normalmente
reclamávamos quando Satoru fica no controle, mas todos estavam dispostos a
seguir Shun. Então nós colocamos nossas mochilas e fomos para a montanha.
A escalada sem um
caminho era mais difícil do que esperávamos. Quem estava na frente usava seu cantus
para limpar as heras e as moitas, mas era muito cansativo então tinham que
trocar a cada cinco minutos.
Além disso, havia um
número chocante de mosquitos, moscas pretas, e outros insetos chupadores de
sangue voando ao nosso redor. Os insetos não podiam entrar na Barreira Sagrada,
então era por isso que havia tantos ali. Mesmo que continuássemos os matando,
eles nunca paravam de vir. Tínhamos que usar nossos canti continuamente, o que
queimava muita energia. (E como meus óculos de sol deixavam mais difícil para
mim ver os mosquitos menores, eu estava ainda mais cansada.)
Foi por isso que quando
uma estranha construção abandonada de repente apareceu na nossa frente, ficamos
chocados.
— O que é aquilo? —
Maria perguntou, soando assustada.
Era irracional. O
prédio tinha mais ou menos o tamanho da câmara municipal de Kamisu, coberto tão
grossamente com hera e líquen que parecia uma criatura adormecida que tinha
crescido na floresta.
— ... é provavelmente o
templo do Monte Tsukuba. — Satoru disse, vendo um mapa antigo que ele havia
levado.
Apesar de não estar
completamente de volta ao normal, Satoru tinha mais ou menos recuperado sua
energia após voltar ao chão sólido.
— Um templo? — Eu
perguntei, segurando um grito ao acidentalmente tropeçar em um sapo. Havia
animais nojentos por toda a montanha.
— Tem uma história de
pelo menos dois ou três mil anos. Essa construção também, provavelmente já era
considerada bem velha há mil anos. — Shun complementou.
— Devemos comer aqui? —
Mamoru perguntou.
Todos estavam famintos,
mas a ideia de almoçar ali era desagradável.
Quando eu estava
prestes a negar, um grito veio da minha esquerda como se coagulasse todo o meu
sangue. Alguém deve ter pisado em um sapo também, pensei. Mas quando olhei, eu
vi Satoru parado lá, enrijecido como uma tábua. E quando Shun se aproximou, ele
congelou também.
— O que foi?
Eu percebi que os
quatro tinham ficado duros como estátuas. Ninguém respondeu minha pergunta.
O que diabos estava
acontecendo? Eu estava muito perto de ter um ataque de pânico. Então, ao seguir
o olhar deles e ver o que tinham visto, foi a minha vez de gritar.
Na minha frente estava
uma criatura bizarra que eu nunca havia visto antes.
Os nomes Minoshiro do
mal e falso Minoshiro vieram até mim. A coisa definitivamente lembrava um
Minoshiro a primeira vista, mas era completamente diferente se examinasse de
perto.
Tinha cerca de
cinquenta ou sessenta centímetros de comprimento, com pele enrugada que se
esticava e se contraía constantemente, fazendo partes de seu corpo dobrarem e
encolherem anormalmente. Em suas costas havia um grupo de espinhas meio
transparentes como a de ouriços do mar, cada uma brilhando com todas as cores
do arco-íris.
As cores se misturavam,
criando um padrão estonteante no ar. Mesmo com meus óculos de sol, eu podia
sentir as lindas luzes anestesiando meu cérebro.
O Falso Minoshiro foi
lentamente até o templo, deixando um rastro de luzes em seu sulco.
Meu próprio grito tinha acordado algo em minha
mente. Eu me virei para Shun e Satoru e comecei a gritar para eles, “Rápido...
Satoru! Shun! Peguem-no, está fugindo!”
Mas nenhum dos dois se
moveu; eles apenas encaravam o Falso Minoshiro.
Eu comecei a usar meu
cantus, mas hesitei. Antes, havia dito que era perigoso muitas pessoas usarem
seus canti na mesma coisa. Se alguém já estava concentrado no alvo, era melhor
para todos não usarem seus canti, não importando a situação.
Os olhares de Satoru e
Shun estavam fixos no Falso Minoshiro. Normalmente, era um sinal de que estavam
usando seus canti, mas dessa vez, os dois estavam congelados no lugar.
Pareceu uma eternidade,
mas na verdade apenas alguns segundos se passaram. O Falso Minoshiro andou
devagar até a grama alta e desapareceu debaixo do prédio principal do templo.
Eu não conseguia
entender por que os quatro ainda estavam congelados no lugar, e não sabia o que
fazer. Eu não sabia nem mesmo o que havia acontecido para começo de conversa
para deixá-los daquela jeito. Eu queria balançá-los para os acordar, mas fui
invadida com um medo irracional de que se os tocasse, eles iriam cair mortos.
O primeiro a sair do
transe foi, surpreendentemente, Mamoru.
— ... Estou com fome. —
Ele disse em uma voz pequena, olhando ou redor.
— Hm, o que exatamente
aconteceu agora?
Maria, Satoru e Shun
voltaram a seus sentidos e caíram no chão. Satoru parecia muito enjoado e Shun
esfregou seus olhos.
— Estamos mortos?
Ironicamente, a
pergunta de Maria nos fez cair na realidade.
— Aquela história
provavelmente era mentira. Não se preocupe. — Satoru disse, gemendo.
“Provavelmente” fazia
parecer que ele estava tentando fingir que não havia sido ele que tinha
inventado a história para começo de conversa.
— Tirando isso, por que
não consegui me mover?
— Não consegui também.
Mas por quê? Satoru? — Maria embrulhou os braços sobre si, inquieta.
— Não sei. Quando vi as
luzes, minha mente ficou branca, e não podia me concentrar não importando o
quanto tentasse.
— Ah! — Eu exclamei. —
É igual daquela vez, certo? Quando estávamos no Templo da Pureza, olhando para
as chamas do altar...
— Eu entendo. — Shun
disse, levantando. — Faz sentido. Estávamos hipnotizados.
— O que isso significa?
— É uma técnica anciã
para controlar pessoas. Através de sugestões, você pode fazê-las dormir, falar
a verdade, ou fazer qualquer coisa que você comande.
Eu não conseguia
imaginar onde Shun tinha aprendido algo assim.
— Mas Saki estava bem;
ela gritou para nós pegá-lo e tudo mais. Talvez ela seja tão cabeça-dura que é
imune.
— Não sou não. — Eu
estourei. — É porque eu estava usando os óculos de sol...
O mais simplório de nós
era definitivamente Mamoru, mas eu parei antes de falar alto.
— Hipnose usa luzes
azuis e vermelhas piscando. Os óculos vermelhos provavelmente cortaram o
efeito. Deixe-me ver rapidinho.
Enquanto eu me
perguntava de onde ele tinha tirado essa informação, ele colocou meus óculos de
sol e olhou para o céu.
— Mas se a Saki é a
única que pode usar seu cantus, vai ser difícil de pegar aquela coisa. Parece
que ele gosta de se esconder em fendas estreitas.
— Parece que sim. Ei,
não deveríamos voltar logo? — Maria disse, atipicamente nervosa.
— Por que não voltamos
para as canoas e almoçamos?
Eu não tinha certeza se
Mamoru estava assustado, como sempre, ou apenas com fome.
De repente, eu tive uma
ideia.
— Está tudo bem!
Podemos pegá-lo.
Os quatro pareciam
apreensivos, mas quando expliquei meu plano, suas dúvidas deram lugar para
esperança e entusiasmo. Não pude negar que ver aquilo me deixou extasiada.
Naquela época, não
tínhamos ideia das grandes implicações que capturar o Falso Minoshiro traria.
— Certo, está ótimo.
Pegamos um grande. — Satoru disse em uma voz satisfeita, após ter se recuperado
um pouco.
— Esses caras parecem
que podem ser bem gostosos. — Mamoru também, soou bem mais energético agora que
tinha comido seu almoço.
— Você provavelmente é
a única pessoa no mundo que acha que eles parecem apetitosos. — Shun pareceu um
pouco surpreso.
Eu me sentia da mesma
forma.
Levitando dois metros
acima do chão em nossa frente estavam três caranguejos-tigre. Ao contrário de
nossas expectativas, eles estavam pendurados sem se debater, soprando bolhas
docilmente. Todos os três eram manchados de uma cor marrom esverdeada, e o
maior caranguejo ostentava um pedaço que parecia um mapa. O caranguejo mediano
tinha listras finas em sua concha que pareciam raízes de plantas e o menor
tinha pingos verde que pareciam líquens.
Satoru virou o
caranguejo maior com seu cantus para ver o lado de baixo. O caranguejo-tigre
repentinamente chicoteou quando o caranguejo de tamanho médio passou por seu
campo de visão. Parece que o fez para nadar no ar e bateu suas pinças
ameaçadoramente.
— Uau. Qual é o
problema dele? — Satoru disse. Ele sorriu nervosamente, tentando esconder o
fato de que tinha quase fugido de medo naquele momento.
Nós amarramos os
caranguejos-tigre com algumas videiras de cinco folhas. Era difícil fazer isso
certo para que pudessem se mover livremente, mas ainda estar em nosso controle.
Maria tentou enrolar o final das videiras ao redor dos espinhos nas conchas deles
para dominá-lo, mas os caranguejos eram mais espertos do que esperávamos. Eles
continuavam se virando para criar buracos nas videiras e puxava-as com as
garras. No fim, tivemos que passar as videiras em caules de bambu para parar os
caranguejos de rasgá-las.
Apesar de ter dado
muito mais trabalho do que eu esperava, fiquei satisfeita com o resultado. A
visão dos três caranguejos-tigre no fim de suas coleiras me lembrou um método
ancião de pescar corvos-marinhos. Nós fomos procurar o Falso Minoshiro, ainda
observando os caranguejos para ter certeza de eles não chegarem muito perto uns
dos outros.
Pensamos que os
caranguejos ficariam infelizes em serem amarrados e conduzidos por aí em uma
coleira, mas estávamos errados. Ou se estavam infelizes, não podíamos saber;
tudo que faziam era comer. Tudo que estava vivo dentro de seu alcance era pego
e devorado.
No início, estávamos
preocupados de que uma vez que eles ficassem cheios, os caranguejo-tigre iriam
parar de procurar por mais comida. Mas ao invés disso, eles continuaram
desmembrando suas presas com suas garras afiadas. (A visão de cobras e sapos se
debatendo de dor parecia desanimá-los, e seguiam em frente depois disso).
Se nada desse resultado
depois de tudo isso, todos iriam provavelmente me odiar por ter uma ideia tão
desagradável.
Mas quase uma hora
depois, o caranguejo-tigre de Maria acertou em cheio.
— Parece que pegou algo
de novo. — Maria olhou embaixo do templo e fez uma careta. — Parece algo grande
dessa vez.
Todos nos encolhemos
quando ouvimos isso. A visão de um caranguejo-tigre se deliciando com um
mamífero maior era algo que ninguém queria ver.
— Puxe para fora e
veja. — Satoru disse, dando de costas.
— Me ajude.
— Você pode fazer
sozinha, certo? Só use seu cantus e puxe as cordas.
— Mas é assustador. —
Maria olhou para nós implorando.
Eu preciso confessar
que ignorei o pedido de minha melhor amiga e fingi estar ocupada com meu
próprio caranguejo-tigre. Estava me sentindo um pouco indisposta por ver o
caranguejo de Satoru estripar sua presa um tempo atrás.
— Eu faço, então.
Inesperadamente, Mamoru
se voluntariou.
Os dois começaram a
puxar o caranguejo-tigre enquanto o resto de nós se segurava, esperando algo
desagradável aparecer.
— Olhe, eles pegaram. —
Shun disse.
Ouvindo isso, voltamos
a prestar atenção no caranguejo.
— O Falso Minoshiro! —
Maria gritou.
Eu coloquei meus óculos
de sol bem na hora.
O caranguejo-tigre
emergiu, segurando sua presa fortemente com as duas garras.
Não havia dúvida de que
era o que tinha escapado antes. Mesmo com o caranguejo-tigre estar o agarrando
tão ferozmente que parecia que ele seria cortado ao meio, ainda estava se
debatendo com toda a sua força para escapar. Quando ele nos viu, todos os
espinhos em suas costas se levantaram e as pontas começaram a brilhar.
— Shun! Satoru! O
peguem rápido! — Eu gritei, então percebi que estava na mesma situação que
ocorreu antes.
Tirando eu, todos
estavam olhando petrificados. Todos tinham caído na hipnose do Falso Minoshiro.
Eu teria que fazer
sozinha, então. Pelo menos dessa vez eu tinha um aliado poderoso. Um com um
cérebro primitivo que era imune ao hipnotismo, e um mente teimosa que nunca
deixaria sua presa escapar: o feroz caranguejo-tigre.
Apesar de usar os
óculos de sol, eu também sabia que não era para olhar para os padrões de luzes,
então permaneci lúcida. Em olhos meio abertos, eu comecei a sistematicamente
girar e tirar os espinhos brilhantes.
— Por favor, pare sua
atividade destrutiva.
Uma voz feminina surgiu
do nada, me assustando.
— Quem está aí? Quem é
você?
— Você está destruindo
propriedade da biblioteca pública. Por favor, pare sua atividade destrutiva
imediatamente.
A voz estava vindo do
Falso Minoshiro.
— Isso é porque você
continua tentando nos hipnotizar.
— O uso da hipnose de
luzes defensivas por máquinas terminais é sancionado pela ordem 488722, item 5.
Por favor, pare sua atividade destrutiva imediatamente.
— Pare de nos
hipnotizar, daí eu vou parar de retirar essas suas coisas brilhantes.
— Eu repito meu aviso.
Por favor, pare sua atividade destrutiva de uma vez. — O Falso Minoshiro
repetiu obstinado.
— Estou te avisando
também. Se você não parar, eu não vou parar. Vou tirar todas essas suas coisas
brilhantes!
Surpreendentemente, o
Falso Minoshiro parou de brilhar. Parece que aquela ameaça simples foi efetiva
o suficiente.
— Vocês estão bem?
Os quatro ainda
pareciam que estavam letárgicos.
— Desfaça a hipnose,
agora! Ou eu vou começar a arrancá-los novamente. — Eu disse advertindo.
O Falso Minoshiro
respondeu rapidamente. “Efeitos da hipnose de luzes se desfazem com o tempo. O
relatório do Instituto Nacional de Psiquiatria, número 49463165, afirma que não
há efeitos colaterais visíveis.
— Desfaça. Agora. Ou...
Eu não precisei
terminar minha sentença. O Falso Minoshiro de repente soltou um barulho
penetrante e eu me abaixei instintivamente, cobrindo meus ouvidos. Os quatro
começaram a se mover como se acordassem de um sonho.
Eu me virei lentamente
para o Falso Minoshiro, explodindo com perguntas que eu queria fazer.
— Quem é você? O que é
você?
— Eu sou o Ramal de
Tsukuba da Biblioteca da Assembleia Nacional.
— Uma biblioteca?
— Se está querendo meu
modelo e minha versão, eu sou um Arquivo Automotivo Panasonic, Evolução
Autônoma versão SE-778H Lambda.
Eu não tinha certeza o
que aquilo significava, mas não importava que tipo de monstro era, era uma
introdução absurda. Parecia alguém te parando na rua e dizendo “Oi, meu nome é
Biblioteca Nacional”, ou “Sou uma escola”.
— Está dizendo que é
uma biblioteca de verdade? — Eu perguntei cuidadosamente.
— Sim.
Eu olhei o Falso
Minoshiro. Agora que tinha parado de se contorcer e brilhar, ele
definitivamente parecia feito por um humano.
— Onde estão os livros
então?
— Todas as interfaces
em papel impresso foram ou decompostas, ou perdidas através das guerras ou
outra atividade destrutiva. Nenhuma existência sobrando foi confirmada.
— Eu não entendi muito
bem, mas qual é o ponto se não tem nenhum livro? Então você é uma biblioteca
vazia?
— Toda informação está
arquivada em 890PB da memória holográfica.
Eu não tinha ideia do
que ele estava falando.
— ... Se está tentando
nos confundir com palavras grandes, talvez eu devesse todas essas antenas...
Fazer ameaças não era
algo que eu estava orgulhosa em fazer, particularmente.
— Os conteúdos dos
livros estão guardados dentro de mim, e podem ser acessados a qualquer momento.
— Ele respondeu imediatamente.
Aquilo era melhor,
apesar de eu ainda não entender completamente como funcionava.
— Que tipo de livros? —
Satoru perguntou conversacionalmente.
— Todos os 38,242,506 volumes
publicados no Japão desde 2129 AC até 671,630 volumes referenciados em inglês,
assim como em outras línguas.
Nós cinco trocamos
olhares. A maior biblioteca de Kamisu 66, em Kayawa, tinha menos de três mil
livros disponíveis para o público, e se contasse com os livros guardados no
subterrâneo, o total era talvez dez mil. Um corpo pequeno como o do Falso
Minoshiro poder guardar mais de quatro mil vezes esse número era uma mentira
que nem mesmo Satoru ousaria contar.
— Acessados a qualquer
momento quer dizer que você pode lê-los sempre que quiser?
— Correto.
— Então se eu
perguntasse qualquer pergunta, você encontraria o livro relevante entre todos
os que estão guardados dentro de você? — Eu perguntei, duvidosa,
— Sim. O tempo de
espera é de aproximadamente sessenta nanosegundos. — Disse o Falso Minoshiro,
ou melhor, o Ramal Tsukuba da Biblioteca da Assembleia Nacional.
Eu não sabia quanto era
sessenta nanosegundos, mas assumi que era algo como sessenta segundos.
— E-Então... Eu quero
perguntar...!
Eu repentinamente
fiquei muito entusiasmada. Eu poderia ter respostas para tudo que eu sempre
quis saber até então. Centenas de perguntas vieram em minha mente de uma vez.
Quando eu estava prestes a falar, Satoru me interrompeu com a questão mais
inútil do mundo.
— Por que tem tantos
sapos por aqui?
— Por que você parece
assim se é uma biblioteca? — Maria perguntou.
Shun parecia que queria
perguntar algo também, mas estava muito além de si da hipnose para formar uma
sentença coerente.
— Eu... Eu quero
perguntar. — Eu finalmente decidi o que eu queria saber. — Espíritos Malignos
realmente existem? Além disso, e os Demônios do Carma?
Nós esperamos com as
respirações pausadas. Sessenta segundos se passaram, então dois minutos, então
três, mas o Falso Minoshiro permaneceu em silêncio.
— Ei, por que não está
respondendo? — Satoru não podia aguentar mais.
— Registro do usuário é
necessário para acessar os serviços de consulta. — Ele disse, sem mostrar um
único traço de culpa por nos fazer esperar para nada.
— Droga, por que não
nos contou isso antes? — Satoru disse reprovando.
— Como nos registramos?
O Falso Minoshiro
ignorou Satoru e respondeu a pergunta de Maria.
— Você deve ter dezoito
anos ou mais, e providenciar prova de seu nome, endereço, e idade com um dos
seguintes: carteira de motorista, cartão de seguro (com endereço), passaporte
(uma cópia com a data de nascimento completa, e endereço atual), identificação
estudantil (com endereço e data de nascimento), certificado de residência
(emitido nos últimos três meses), ou outra identificação oficial. Todos devem
estar dentro da data de validade.
— Dezoito? Mas nós...
— Além disso, os
seguintes formulários de identificação não são válidos: identificação de
funcionário, identificação estudantil (sem dará de nascimento ou endereço),
passes comunitários, cartões de trabalho...
O Falso Minoshiro
estava provavelmente falando sobre alguns papéis que eram usados antigamente.
Tínhamos uma noção do que ele estava falando porque tínhamos aprendido um pouco
sobre a estranha era na qual pedaços de papel era mais importantes que as
pessoas.
— E se não tivermos
nenhuma dessas coisas? — Eu perguntei.
— Se o registro de
usuário não for completado, os serviços de consulta serão indisponíveis. — O
Falso Minoshiro disse na mesma voz plácida.
— Então não tem como
evitar. Vou precisar te cortar, parte por parte, para acessar os livros dentro
de você.
— Atividade destrutiva
é uma ofensa criminal, punida pela lei.
— O que devemos fazer?
Começar arrancando as penas, e aí cortando-o no meio? — Eu disse para Satoru,
imitando uma ação de rasgar.
— Hmm, olhe como a pele
é enrugada. Devemos provavelmente retirá-la primeiro. — Satoru disse com um
olhar malicioso, entendendo o meu plano.
—... Requerimentos de
documentação foram dispensados. Começando o registro do usuário! — Ele disse
alto, ainda na mesma voz feminina calma. — Cada usuário pode falar seu nome
claramente.
Cada um de nós paramos
na frente do Falso Minoshiro em turnos e dissemos nossos nomes.
— Autenticação do
padrão de íris, impressão de voz, e MRI da cabeça completa. Registro do usuário
completo. Shun Aonuma, Maria Akizuki, Mamoru Itou, Saki Watanabe, serviços de
consulta estão disponíveis por três anos começando hoje.
— Certo, então, por que
tem tantos sapos...
Shun cobriu a boca de
Satoru com sua mão direita. “Há montanhas de perguntas que queremos fazer, mas
eu quero ouvir a resposta para a da Saki primeiro... Espíritos Malignos
realmente existem? E quanto a Demônios do Carma?”
O Falso Minoshiro não
pausou por um segundo dessa vez. “A palavra “Espírito Maligno” teve 671,441
resultados na base de dados, e pode ser separada em dois grupos. ① Criaturas
que foram vistas no passado ancião, frequentemente chamadas de demônios, fantasmas,
ghouls e outros nomes similares, que não existem na realidade. ② Um
termo inventado nos últimos anos da civilização anciã para descrever aqueles
que sofrem da síndrome de Raman-Klogius, também conhecida como síndrome da
“Raposa no Galinheiro”. Não é confirmado sua existência no presente, mas
existia no passado, e é altamente provável de retornar no futuro.”
Nós nos olhamos. Não
conseguíamos entender o que ele estava falando, mas podíamos dizer que era algo
que nunca seria ensinado para nós, e algo que definitivamente não era permitido
nós sabermos.
— Demônios do Carma
também foram descobertos antes da queda do império ancião, e era um termo comum
para diversos casos da síndrome de Hashimoto-Appelbaum. Junto com os Espíritos
Malignos, sua existência no presente não é confirmada, mas há um alto risco de
reaparição.
— Isso... — Shun
hesitou.
Eu vi seu rosto pálido
e entendi dolorosamente bem o que ele estava pensando.
Não devíamos perguntar
mais nada além disso. O aviso veio inconscientemente.
Mas abrir a caixa de
Pandora quando sabíamos que não deveríamos era parte da natureza humana desde o
início dos tempos.
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